“Já acabou, Jéssica?!”: um ano da nova lei da guarda compartilhada

Como todos já sabem, falar de guarda compartilhada no Brasil não é novidade desde 2008 quando, por meio da Lei 11.698, houve a alteração do Código Civil para sua inserção visando quebrar a ideologia da guarda unilateral como única racio. Todavia, a partir de então, estabeleceu-se polêmica maior do que a do vestido que povoou a internet no início de 2015 e, até agora, ninguém sabe se ele é azul com preto ou branco com dourado.

A confusão foi grande: confundia-se com guarda alternada (que nunca sequer existiu no Brasil, nem existe tentativa legislativa nesse sentido), alguns julgados não aplicavam a guarda compartilhada quando os pais morassem em cidades diferentes e, além disso, somente com o julgado do Superior Tribunal de Justiça sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, em 2011, é que pudemos visualizar o instituto sendo aplicado mesmo quando existe litígio entre os genitores (Resp nº 1.251.000/MG).

Visando efetivar a guarda compartilhada no território brasileiro tivemos, em 22 de dezembro de 2014, por meio da Lei 13.058, uma nova alteração do Código Civil Brasileiro nos artigos 1.583 e 1.584. A partir de então a regra nas dissoluções de relacionamentos afetivos, mesmo quando os pais estejam em litígio, passou a ser a guarda compartilhada quando, de forma conjunta, ambos os genitores tomarão as decisões quanto a escolaridade, saúde, lazer e demais deliberações que cabem aos pais e que são inerentes à vida de uma criança. Sua fixação gera, por necessário, a atribuição de com quem a criança irá morar – denominado pela Lei como “base de residência” (1.583 § 3º CC) – e, também, o tempo de convívio com o outro progenitor e a quantificação dos alimentos que este alcançará em favor da prole.

Mesmo se os pais passem a residir em cidades diferentes, o Código Civil permite o compartilhamento. Considerando as novas tecnologias e, tendo em vista, a ausência de impedimento legal, comungamos que tal possibilidade permanece até quando os pais residam em países diferentes. Distância física, desde há muito, não significa distância afetiva e, nem mesmo, direito a uma participação efetiva na vida dos filhos.

A guarda unilateral passou a ser a forma residual, afinal, de acordo com o artigo 1.584 § 2º de nossa codificação civil somente pode ser aplicada quando um dos pais não desejar exercer a guarda compartilhada ou não tiver condições para o exercício do poder familiar.

Além disso, de acordo com o artigo 1.583 § 2º do Código Civil, o tempo de convivência dos filhos deverá ser “dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai”. Dessa forma, evita-se que um dos genitores seja mero “visitante”, restrito a programas de fast food, cinemas e guloseimas, para uma lógica de corresponsabilidade e contato diuturno. Tal previsão atenta ao princípio constitucional da convivência familiar, previsto no artigo 227 da Carta Magna brasileira.

Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá se basear em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar (1.584 § 3º CC). A atuação conjunta do Direito com o Serviço Social e a Psicologia, via perícia ou mediação de conflitos, faz com que ganhem todos os envolvidos e, principalmente, as crianças e adolescentes, uma vez que se reduzem, significativamente, as chances de esses filhos tornarem-se instrumentos de disputa em uma tentativa frustrada de compensar os traumas sentimentais com disputas judiciais.

Devidamente conscientes da necessidade de um papel de corresponsabilidade e união e, não mais de exercício egoístico e, por vezes, vingativo que se estabelecia no contexto anterior, pensamos ser o compartilhamento da guarda uma importante ferramenta profilática para novos casos de alienação parental.

Agora, ultrapassado um ano da vigência da nova Lei da guarda compartilhada, a pergunta que não quer calar: “Já acabou, Jessica?!” Infelizmente, não… Jessicas, Marias, Ricardos e Pedros precisam ainda ser esclarecidos do real sentido da norma. Não com a incerteza do resultado do Miss Universo 2015, mas sim, com a necessidade de efetivação do que, há bastante tempo, estabelece o artigo 18 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança[1]: as crianças do Brasil têm direito adquirido a uma coparentalidade!

_____________________

[1] Os Estados Partes envidarão os seus melhores esforços a fim de assegurar o reconhecimento do princípio de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança. Caberá aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança. Sua preocupação fundamental visará ao interesse maior da criança.